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O MISTÉRIO DO CASEBRE NO TOPO DA MONTANHA
 

Era quase meia-noite. Uma névoa gelada cobria as ruas vazias de uma pequena vila de pescadores. O único som que se ouvia era o das ondas, que quebravam, violentamente, sobre as pedras geladas ao redor da orla.

O cenário visto pelo topo da montanha, da janela de um pequeno casebre, era quase mágico, se não fosse a solidão que consumia os olhos de quem admirava tal beleza. Absorto em seus pensamentos, o homem solitário passava horas naquela janela, mas não tinha coragem de abrir a porta e respirar a brisa que vinha do mar.

Cheio de ódio em seu coração e revoltado com as perdas de sua vida, só enxergava a dor e a solidão. Sem amigos e sem família, passou o resto de seus dias a olhar por aquela janela. Talvez imaginando os dias felizes de outrora, em que corria para os braços de sua amada depois de semanas no mar. Seus antigos companheiros de barco, diziam que ela era linda demais e muitos acreditavam que fosse uma sereia.

Havia quem dissesse que era ela quem o impedia de sair. Que era feitiço da sereia. O que se sabe é que ela sumiu sem deixar um recado, um bilhete... Alguns dizem que a viram entrar no mar e se transformar em sereia, outros negam. Mas, desde então, nem mesmo aqueles que diziam ouvir o seu canto, sempre à meia-noite, ouvem mais o canto da sereia.

Mito ou verdade, o fato é que os olhos de todos brilhavam ao falar de sua beleza. Tinha os cabelos cor de fogo, os olhos verdes como a água do mar e seu sorriso iluminava todo o seu rosto. Era quase hipnotizante.

E, assim, foram se passando os anos... Até que, certo dia, um pescador, lá de baixo, percebeu que a porta do casebre batia sem parar com o vento e resolveu subir a montanha.


Muitos tinham medo de ir até lá e não voltar, de “pegar” o feitiço da sereia. E lá foi ele, cheio de medo, com as mãos trêmulas e as pernas bambas. Mas sua curiosidade era maior que seu medo. Cansado da subida e apavorado com o que poderia encontrar, chegou de mansinho, um pé atrás do outro, olhando para todos os lados, sem parar.

De dentro da casa não se ouvia nada. Folhas espalhadas pelo chão, uma velha cadeira de balanço caída em frente à janela, uma caneca de café vazia e um par de chinelos compunham o cenário visto pelo temeroso, mas corajoso, pescador. Chamou pelo antigo amigo. Silêncio. Chamou de novo. Silêncio.

De repente, uma leve brisa bateu sobre seu rosto e uma gargalhada cortou o silêncio. Ele se virou e nada viu. O pobre homem já nem podia se mexer. Confuso e sem saber ao certo se, realmente, tinha ouvido uma gargalhada, ou se tudo não passava de sua imaginação, pediu ajuda aos santos, resmungou umas rezas e saiu em disparada.

Nunca mais ninguém teve coragem de subir até o topo da montanha. O mistério do homem apaixonado e abandonado, mergulhado em sua tristeza e dor por perder um grande amor, é até hoje conversa nas rodas do pequeno vilarejo.

Por via das dúvidas, antes das 12 badaladas da meia-noite, todos se recolhem às suas casas e o silêncio da noite só é cortado pelo barulho das ondas que quebram nos rochedos ao redor da orla. Ora calmas, ora violentas.

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